domingo, 26 de junho de 2011

Os primeiros dias dele...

O Verão de 2003 foi terrível a nível de temperaturas altas. O calor era insuportável... Mas foi o Verão mais feliz da minha vida. Tinha sido mãe e não podia haver nada no mundo que fosse mais precioso do que isso. Ele era lindo e eu tinha um prazer enorme em apresentá-lo às pessoas... Apenas para aí nas duas primeiras semanas, ou três, acordava de duas em duas horas ou de três em três para mamar... Aos poucos, os horários de mamar à noite foram sendo cada vez mais espaçados e em pouco tempo (cerca de dois meses) já dormia as noite inteiras e acompanhava os nossos horários... Lá de vez em quando é que acordava uma noite ou outra durante a noite... Eu é que estava sempre a acordar para me certificar se estava tudo bem com ele... Tinha receio de que se virasse de barriga para baixo, pois sabia que isso é potencialmente perigoso...

Estava sempre a ver a fraldinha, pois não queria que ele tivesse a fraldinha suja nem por um minuto... Sentia-me culpada quando acordava de noite e ele tinha a fraldinha suja, pois não sabia há quanto tempo ele estava assim e achava que devia de ter acordado mais cedo, logo que ele sujasse a fraldinha... Porque, pelo que sei, há bebés que quando sujam a fralda começam logo a chorar... Ele não... Ou então, era eu que , por instinto, nunca lhe dava tempo... Durante o dia sei que sim... À noite não sei...

Como estava a amamentar, tinha muito cuidado com certos alimentos... Disseram-me para não comer chocolate, porque podia provocar diarreias nele e nem morangos nem marisco, pois caso ele fosse alérgico, poderia ser prejudicial, e, nesse sentido o chocolate tinha também esse duplo motivo para não ser consumido... Café também não era aconselhável, porque podia provocar insónias nele... Outras duas coisas que não me proibiram, pois não faziam mal nenhum, mas que desaconselharam foi o alho e a cebola, pois embora não fossem prejudiciais, podiam alterar o sabor do leite, torná-lo desagradável ao paladar dele e ele vir a rejeitar o leite... Com tudo isso eu tive cuidado...

Todas as semanas ia pesá-lo, para ver se aumentava de peso, pois caso não aumentasse, podia ser sinal de que o meu leite não era suficiente e teria de começar a dar-lhe um suplemento... Mas ia sempre aumentando... Só houve uma semana em que aumentou pouco e o médico disse para eu começar a ir pesá-lo dia sim, dia não... Mas voltou logo a aumentar normalmente...

Eram todos os cuidados com o meu tesouro... Cheguei a ser criticada pela minha sogra por amamentar o meu filho, pois ela dizia que aquilo era preguiça de fazer leite no biberon... Quando o médico me tinha dito que o ideal seria amamentar em exclusivo até aos 6 meses, para reforçar as defesas, e só depois começar a introduzir outros alimentos... A minha sogra não é médica, mas é rica e isso confere-lhe ciência sobre tudo, inclusive medicina...

Hoje em dia, muitas vezes, interrogo-me sobre de que valeram tantos cuidados com o meu menino... Mas valeram. Não ganhei eu, mas ganhou ele. Eu sei que valeram. Se ele tem sido a criança saudável que tem sido, a esses cuidados o deve... Não gosto de dizer que tudo o que o meu filho é hoje me deve a mim, porque dever é uma palavra muito forte... O meu filho não me deve nada... Mas em Português é essa a expressão usada nestes contextos...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

E faz hoje 8 anos que ele nasceu...

E foi neste dia há 8 anos atrás que a minha gravidez chegou ao fim e que eu fui abençoada com o previlégio de trazer ao mundo aquela nova vida linda.

Foi por esta hora que me deram a oxitocina, para induzir o parto. Ainda me lembro que me disseram para não comer muito ao almoço, pois poderia ser necessário fazer uma cesariana e depois era mais complicado. E lembro-me de ter pensado "Mas como é que eu posso comer muito? O que vem no prato é sempre uma miséria..." Ehehehe... O que me valia era a máquina com bolos e sumos que havia no corredor.

O meu marido foi ver-me à hora do almoço, eu disse que já me tinham dado a oxitocina. Ele perguntou à minha médica, que calhou a estar lá se valeria a pena ainda ir trabalhar à tarde, ela abanou a cabeça, meio sem saber mas mais em sentido negativo.

Por volta das 2/3 da tarde, comecei a sentir umas moínhas na barriga, mas como pareciam semelhantes a quando o almoço não caiu muito bem ou a outra pequena dor de barriga, eu não liguei muita importância... Perguntavam-me se eu tinha contracções, e eu dizia que não, pois eu não sabia o que eram contrações. O meu marido esteve sempre ao meu lado. Por volta das 4 da tarde, como eu dizia que não sentia contrações nenhumas, resolveram dar-me outra dose de oxitocina... Mas quando foram observar verificaram que eu já tinha 4 dedos de dilatação e disseram "ò menina, mas você já está em trabalho de parto, vamos para a sala de partos"... Tirei da mala uma mudinha de roupinha para o bebé, para entregar à enfermeira, despedi-me das minhas colegas de quarto (eu tinha ido no dia anterior para o hospital, por ter utrapassado as 40 semanas), que me desejaram boa sorte e lá fui para a sala de partos, emocionada. Fartei-me de rir quando vi o meu marido entrar com uma bata verde vestida, parecia um acólito, mas de verde...

Ligaram-me ao CTG e , como sempre havia duas linhas, uma que indica os batimentos cardíacos do bebé e outra que indica as contrações... confuso, o meu marido, ao olhar para as duas linhas disse "Mas... são gémeos?"...Eheheheh

As contracções foram sendo cada vez mais fortes e... 2 minutos antes das 8 da noite, mas com o sol a raiar lá fora, pois os dias estabam quase no pico, saiu de dentro de mim, o meu filhinho, cheio de vida e saúde, num parto que decorreu normalmente, sem complicações. Foi o momento mais feliz da minha vida, quando me puseram nos braços... Lindo, com os olhos da cor do céu e branquinho, como eu tinha sonhado... Se senti dor? Obviamente, se o corpo de uma mulher tem que se transformar para que a criança possa passar é natural que doa, não? Mas nada que não se aguente... E nada comparado com a dor que senti há quase um ano e meio, quando me o arrancaram dos braços como um porco que vai para a matança... E que é uma dor que aumenta de dia para dia... Essa sim, é insuportável e pouco natural.

Parabéns, querido filho, a mãe poria todos os dias, tal como naquele, a vida dela em risco e esqueceria as dores, se isso trouxesse algo de bom para ti. ADORO-TE, MEU GRANDE AMOR...

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Por esta altura, ele estava quase a chegar aos meus braços...

Por esta altura, eu andava pelas 39 semanas, o que significava que ele estava quase a chegar aos meus braços... O meu marido já ia para o trabalho dizendo, "Qualquer coisa, telefona logo, ok?"... Os CTGs não revelavam, porém, qualquer contracção, por mais ligeira que fosse, ainda que mais ou menos às 38 semanas, a médica tenha feito o toque e tenha dito que eu tinha 2 dedos de dilatação... Eu sentia-me na mesma e quando me perguntavam se tinha contracções, eu simplesmente dizia "Não sei. Eu sinto-me igual"... E quando me perguntavam se estava com medo do parto, a minha resposta era ambígua, mas expressava a verdade que sempre senti e com a qual continuo a concordar, ainda que, infelizmente, não possa ter mais nenhum filho: Medo tinha eu que o meu João Pedro não nascesse perfeitinho, ouve-se falar em crianças que nascem com problemas que nunca foram detectados através das ecografias e análises... Medo tinha eu que houvesse alguma complicação na hora do parto, comigo ou com ele... Medo tinha eu que alguma coisa não corresse bem durante o parto, que eu não fizesse bem a dilatação, que ele não estivesse na posição correcta... Esperava que, caso vissem que eu não fazia bem a dilatação, se decidissem depressa por uma cesariana, pois também se ouve contar tanta coisa sobre bebés que têm problemas devido a demasiado tempo de trabalho de parto. Sim, disso eu tinha medo: que alguma coisa não corresse bem ou que o meu menino não fosse perfeitinho. Agora, medo do parto em si, das dores normais do parto, medo como ouço dizer a muitas mulheres que têm, medo das dores do parto em si: NÃO. NUNCA TIVE. Quando me diziam que nem sempre havia anestesistas disponíveis para administrarem a epidural, ou que, por vezes, quando a pessoa já está em trabalho de parto já não vale a pena levar epidural, eu simplesmente desvalorizava. Não estava minimamente interessada em levar epidural. Até porque me tinham dito que a epidural, muitas vezes depois dá náuseas, vómitos (ao fim e ao cabo, é uma anestesia). As dores em si, não me metiam medo algum, desde que o parto decorresse normalmente. O mundo está cheio de gente, o que significa que desde sempre as mulheres têm aguentado as dores do parto. Antigamente não havia epidurais e ninguém morreu por causa das dores em si (morriam, sim, se houvesse complicações). Para trazer ao mundo uma criança, o corpo da mulher tem que dilatar, é claro que essa dilatação tem que provocar dores. Por isso, as dores em si, nunca me causaram o mínimo receio... E sabia que todas as dores valeriam a pena, para ter o meu filho nos meus braços... Dor? Dor a sério tive eu, 6 anos e meio depois, quando me o arrancaram dos braços, como um porco que vai para a matança... Isso é que é dor... Agora, as dores do parto são insignificantes comparando com o que significam...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um ano é muito tempo...

Há 8 anos nesta época eu andava tão feliz que não cabia em mim... A gravidez estava a correr lindamente... A vida estava a ser tão generosa comigo que eu não queria acreditar... Ainda não tinha percebido que a vida sempre fora generosa comigo... As pessoas é que não... Eram tempos mágicos e doces... Por esta altura ele já mexia tanto... Foi um tempo que passou e que não volta mais... Mas com isso aprendemos a viver... As coisas acontecem e passam... ficam as doces recordações... Mas como recordar o que não aconteceu?

Está a fazer um ano esta noite que foi a última noite que ele passou em casa... Por volta das 16 horas do dia 26 de Fevereiro de 2010, enquanto se encontrava calmamente a fazer os trabalhinhos de casa com o pai, foram buscá-lo como um porco que vai para matança e levaram-no no meio de gritos de horror que suplicavam que não lhe tirassem os paizinhos...

Se nesse dia me tivessem dito que um ano depois eu ainda não tinha recuperado o meu filho, não restavam esperanças de o recuperar e , no entanto, eu continuava viva, eu teria dito que era impossível. Todas essas coisas juntas não eram possíveis na minha cabeça. Eu achava que ou recuperaria o meu filho rapidamente ou iria sucumbir à dor, ao desgosto... Um ano depois, interrogo-me se realmente estou ainda viva ou se sou apenas uma morta-viva... A viver os últimos dias, como disse ontem no ouro blog... Sinto que muito tempo mais não vou aguentar... Ninguém aguenta sozinha contra o mundo... Pode haver quem aguente... De vez em quando ouve-se falar em grandes lutadores, que venceram todas as batalhas, ou que perderam batalhas, mas acabaram por vencer a guerra... O curioso é que esses grandes lutadores falam sempre de pessoas que os ajudaram a lutar... Lutaram muito... Mas a certa altura, lá terá aparecido alguém...

Os primeiros meses foram de muita dor, mas também de muita luta e esperança. Mudamos de casa. Arranjamos relatórios médicos... Relatórios da Escola... Mas nunca mais quiseram saber de nós... Isso de retirarem crianças aos pais com o intuito de "fazerem um trabalho com os pais" a fim de que elas regressem para os braços das familias que adoram e que as adoram é treta. Não é nada assim... Tentamos contactar a assistente social sem sucesso... E lá o íamos vendo uma vez por semana e telefonando para ele duas vezes... E lá ia ele crescendo longe de nós...

Seguiram-se uns meses em que andei num curso para onde me mandaram dizendo que era positivo para o processo e que só serviram para me manter suficientemente ocupada para não pensar demasiado na minha dor...

Foram adiando a estadia dele na instituição, sem nunca falarem connosco, nme avaliarem as nossas "condições"... E ele a crescer...

Finalmente, na audiência de 8 de Novembro tiraram-nos quase tudo do pouco que restava e acabaram com as nossas esperanças: os telefonemas terminaram e a partir do momento em que fosse entregue à avó paterna, dia 17 de Dezembro, só o poderíamos ver durante uma hora quinzenalmente, a 83 Km de casa, durante 2 meses... Depois já poderíamos passar a ter visitas semanais em casa da avó e telefonemas... A questão é que esses dois meses já passaram e nada de mudarem a periodicidade e o local das visitas, nem nos deixarem falar com ele ao telefone... Nem nisso falam sequer... Por mais que perguntemos, só nos respondem que não sabem de nada...

E assim passou um ano... Um ano em que ele cresceu longe de nós e o vimos tão pouco... como recordar este ano da vida dele??? como recordar o que nunca aconteceu??

Pergunto-me às vezes se pensam que nos estão a prejudicar só a nós ou se estão conscientes de que o principal prejudicado é ele. Sim, nós também... Mas nós somos adultos e já sabemos que a vida é injusta... Ele era inocente...

Não dá para aguentar por muito mais tempo... As forças estão cada vez mais gastas... E eu estou cada vez mais sozinha... Passou um ano... Um ano é muito na vida de uma criança de 6/7 anos... Um ano é muito e ao mesmo tempo muito pouco para uma criança desta idade conhecer 3 escolas e 3 realidades diferentes...

Passou um ano... Um ano em que um pai perdeu um emprego por preconceito, pois um pai a quem tiram um filho, "não é, de certeza um empregado desejável numa empresa"... Um ano em que um casal viu o seu projecto de vida e família cair por terra e o seu casamento abalado... Um ano em que uma criança lidou com a tristeza de ouvir os colegas da escola gozarem com ele por "não ter pais"... um ano em que uma criança foi obrigado a ter que ouvir a avó paterna falar mal da sua mãezinha... Um ano em que, no final, uma criança é obrigada a viver aos empurrões entre a casa do avô e da avó... duas realidades tão diferentes...

Quando eu era pequena lembro-me de uma canção, a que hoje se atribuiria o género pimba que dizia "Cada mulher que eu já amei é uma sombra, que nme sequer poderá ser a sombra dela"... Piroso, naquele sentido, mas é assim que eu me sinto, quando me vejo ao espelho e me lembro da mulher que era há um ano atrás: uma sombra, que nem sequer poderá ser a sombra da mulher que fui... Essa mulher desapareceu... Em breve também esta sombra irá desaparecer... Tudo tem um limite e tudo tem um fim... Não há mais forças para manter esta sombra... Ela nem sequer tem nada a ver com a mulher que lhe deu origem...